Fazenda Boa Esperança comemora mês da Consciência Negra com oficina de coral e tambores

Espaço ligado diretamente aos quilombolas contou com apresentação de grupos de Belo Vale, que exibiram sua música e gastronomia

A Fazenda Boa Esperança é um bem cultural remanescente da história escravocrata de Minas Gerais. Um espaço onde as comunidades quilombolas se apropriaram para relembrar as lutas de seus ancestrais pela libertação, comumente utilizado para apresentação dos grupos de Belo Vale, em que exibem sua música e gastronomia,

Desde o início de novembro, a Fazenda Boa Esperança — hoje sob gestão do Iepha-MG, em parceria com a APPA Arte e Cultura — comemora o Mês da Consciência Negra com programação especial que inclui encontro de congados, rodas de capoeira e conversas com mulheres quilombolas.

No dia 5/11, para abrir a programação, a Fazenda recebeu 40 integrantes para a oficina do grupo Cantantes da Boa Morte, com participação dos Tambores do Quilombo. A cidade de Belo Vale tem ligação direta com a história de Minas Gerais e a luta do povo negro por respeito e liberdade. Segundo Romeu Matias, coordenador do Receptivo e Educativo da Fazenda, as atividades são uma forma de acolhimento a essas comunidades no entorno da cidade.

No dia 13/11, a Guarda Moçambique de Belo Vale e o Congado de Santana, celebraram a data da Consciência Negra com uma apresentação no pátio frontal do casarão. No dia 19, aconteceu a roda de capoeira do Projeto Pilares com Mestre China, reunindo cerca de 40 capoeiristas.

Café como recepção

Maria Aparecida Dias, popularmente conhecida como Tuquinha, faz parte da comunidade quilombola de Chacrinha dos Pretos, a 6 km de Belo Vale. Ela preparou os quitutes para recepcionar o coral e o grupo de tambores na Fazenda Boa Esperança no dia 5. Tuquinha é especializada em gastronomia afromineira, aprendeu com a bisavó, a avó e a mãe a fazer quitandas. Em uma cambuquinha, prepara guisados, nome dado aos ensopados preparados com vegetais, legumes e carnes. O refogado mistura abobrinha, quiabo, jiló, pimenta dedo-de-moça e grelos de abóboras, temperado com sal e alho.

No evento da fazenda, no entanto, ela abriu mão do prato quilombola e preparou um café da manhã com biscoitos de nata e polvilho e broas de fubá — desta vez sem colocar rapadura e cará-moela, mas acompanhados, claro, de um saboroso cafezinho. Tuquinha lamenta que pelo tempo curto para a preparação, faltou ainda o cubu (biscoito enrolado na folha de bananeira), o cuscuz, a broa de fubá de canjica e os biscoitos de canela, côco, amendoim e cenoura. Ela recorda que, além de cafés matinais, já fez quatro almoços na Fazenda Boa Esperança. “Meu sonho é cozinhar no fogão à lenha da Fazenda Boa Esperança”, confidencia a cozinheira.

Culinária quilombola

Cozinheira de mão cheia, Tuquinha exibe sua culinária no restaurante Sabor do Quilombo, onde resgata a culinária quilombola de origem africana. No cardápio apresenta receitas como a costelinha com carapiá ou o frango com saborosa, além de outros pratos preparados com broto de bambu, ora-pro-nóbis e umbigo de banana. O carapiá, segundo ela, é uma planta rara de ser encontrada; já a saborosa é um cacto com gosto similar ao da pitaya. Quando esteve na Fazenda, ela se surpreendeu ao encontrar a saborosa nos muros. “Eu ainda faço a torta de carapiá com mexerica, fruta muito comum na região, que é um prato vegano”, relata.

Muitas dessas plantas e ervas ela cultiva em uma horta no quintal; outras ela encontra no mato mesmo. Além das comidas com ervas, plantas e cactos, ela prepara chás para acompanhar os quitutes com plantas como taboa, alfavaca, que tem propriedades medicinais, e melissa, mais conhecida como erva-cidreira, e sucos com frutas como a mexerica ou hortaliças como a couve. Para ela, estar na Fazenda Boa Esperança é tudo de bom. “Eu sempre visitei a fazenda com meu marido e meus filhos, mesmo quando era habitada”. Mesmo sabendo que tem uma história de sofrimento, eu amo aquela paisagem”, conclui.

Oficina

A oficina de canto com o coral do projeto Cantantes da Boa Morte, que aconteceu no dia 5, contou com a participação do grupo de tambores Quilombo. Quem regeu o coral foi a maestrina Maria Raimunda de Oliveira Eustáquio, a Dinda. Ela faz parte do projeto desde o surgimento. O grupo é formado por pessoas de 6 a 48 anos que realizam apresentações em diversos espaços. “Já cantamos quatro vezes na fazenda. Fico feliz que esse espaço tão importante esteja aberto à comunidade”, afirma. “Como é gratificante para mim estar lá. Conhecia o espaço, mas não a história. Os meninos trocam qualquer passeio para ir à Fazenda”, acrescenta.

Os meninos a que se refere são os seis integrantes do grupo de tambores Quilombo, com idade entre 18 e 20 anos, que estiveram na Fazenda para uma apresentação solo ou junto com o coral. Dinda, que também faz parte da Banda de Música Santa Cecília, de Belo Vale, desfia histórias curiosas: conta que quando se mudou para o município do Vale do Paraopeba, a banda não aceitava mulheres. Curiosamente, hoje a maioria dos integrantes é formada por mulheres. Dos 71 anos, 35 são dedicados à música, trabalho que considera “gratificante”, principalmente quando perpetua a cultura quilombola para as novas gerações.

Fotos: Romeu Matias

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